Na varanda da Biblioteca Nacional, fumo um cigarro e as mãos tremem-me. A revoada de pensamentos que me castiga traz-me à memória a primeira ocasião em que, fascinado, ouvi falar de Ádila Sesimbra, nas aulas de Português do 9º grau. Nascida em 89, começou a escrever desde muito cedo e profusamente, mas foram poucas as coisas que se deu ao trabalho de tentar publicar. Quando morreu em 2036 (o seu delito assumido eram duas caixas diárias de bombons recheados), conheciam-se dela apenas dois ou três pequenos volumes de poesia – todavia mais do que suficientes para, no espaço de uma década, terem revelado ao país já órfão de si a estatura duma gigante literária. Em vida, mantivera uma relação de fidelidade recíproca com um velho computador portátil. Depressa, pois, a atenção da Biblioteca se virou para o disco duro enterrado nos fígados dessa peça de museu com teclas. Adquirido o dispositivo, haveria de calhar-me a mim (para renovado fascínio) a tarefa de meticulosamente recuperar e imprimir o seu precioso conteúdo. Que poderei argumentar em minha defesa? Ando sobrecarregado de trabalho, durmo mal. A Joana zangou-se comigo. Num lapso estremunhado e assassino, formatei o disco errado.
(Publicado na Veredas sob o pseudónimo Carlos Tijolo.)