Dizem que estou doente, mas não creio. É preciso ter estado na minha pele nos últimos anos para entender como o meu comportamento é afinal bem racional. Uma rapariga farta-se de ser a eterna gorduchinha que nunca tem namorado. De jurar que até come pouco, mas todos acharem que empanzina às escondidas. Admito até uma certa obsessão com o peso, descuidos ocasionais, mas insisto: uma juventude como a minha e, a dada altura, a escala da balança mede fealdade em quilogramas e pouco mais.
Curioso não recordar ter vindo ontem para o hospital. Não gosto que me tragam para aqui. Sedam-me e aproveitam para me enfiar comida adentro por um tubo. Noto logo. Depois dão-me papinhas e vigiam-me. Volto para casa sempre gorda e feia, como antes. E contudo hoje há qualquer coisa diferente: o despertador tocou e senti-me leve como num sonho. Subi à balança ali ao canto e o ponteiro nem mexeu. Irrita-me é que o espelho não funcione. E o silvo contínuo deste despertador estúpido que não se cala... E esta gente de bata que irrompe pelo quarto adentro e me ignora – alguém me indica um espelho que funcione, por favor?
(Publicado sob o pseudónimo Carlos Tijolo na Veredas e também traduzido em Italiano por Stefano Valente.)