Até ao topo daquela colina

Sempre fui do tipo lobo-solitário, e ela é igual - deve ser por isso que a nossa relação “liga-desliga” funciona tão bem. É bem mais “desliga” do que “liga”, na verdade. No fundo é simples: ambos precisamos de muito tempo a sós para seguirmos as nossas respectivas vidas. E muito espaço individual! Territórios separados, por assim dizer. E porém, todos os anos, quando os dias começam a crescer e o calor do sol liberta no ar os cheiros das folhas e das flores, aí, subitamente, queremos estar juntos outra vez. E o nosso reencontro acontece sempre um pouco por acaso. O que acontece é que começamos ambos a vaguear pelos sítios onde nos encontrámos em anos anteriores. É um pequeno ritual nosso que ajuda a construir o desejo. Então, quando por fim nos avistamos num desses lugares fortuitos, os nossos corações disparam e corremos um para o outro. É nessa altura que noto as saudades que tinha de tudo nela: o olhar azul, a sabedoria, os movimentos bonitos… E parece sempre que voltámos a ser pequeninos: a correr e saltar pelos bosques lado a lado, aconchegados debaixo das estrelas à noite… Na última noite que passamos juntos todos os anos, sem falta, corremos até ao topo daquela colina que separa os nossos terrenos de caça e uivamos. Uivamos à lua cheia por muito tempo. É a nossa forma de fazer um acordo com ela, para que regresse outras doze vezes e nos faça continuar no coração um do outro.

(Contribuição para um desafio do Global Writing & Storytelling Group do Internations.)